Mulheres nas artes marciais - Parte 1

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A imagem mostra várias mulheres com quimonos coloridos com um arco e flecha na mão praticando. A foto vai da cintura até um pouco acima da boca da mulher. Do lado esquerdo abaixo está escrito Mulheres nas artes marciais.
Créditos da foto: Kamomebird

"Assim, pelo menos nos períodos anteriores dos períodos Heian e Kamakura, as mulheres que se tornaram proeminentes ou mesmo presentes no campo de batalha eram excepcionais. Isso não significa, no entanto, que as mulheres japonesas eram impotentes. Há uma imagem comum da feminilidade japonesa baseada nos relatos que temos daquelas mulheres da corte imperial, envoltas em camadas de quimono, preocupadas com a poesia e as fases da lua. Tal imagem obscurece apenas quem as mulheres de Bushi (militarismo) eram durante a ascendência de sua classe. Elas foram originalmente pioneiras, ajudando a estabelecer novas terras e, se necessário, tornando-se lutadoras, como as mulheres do Velho Oeste na mitologia americana". 
Artigo do What When How

Durante as aulas no dojo ouvimos falar dos antepassados do karatê e nos deparamos com diversas personalidades masculinas. Como sempre procuramos alguém para nos espelhar, seja o sensei ou um senpai, é natural que nós mulheres procuremos exemplos de outras mulheres que vieram antes de nós, aperfeiçoaram sua técnica e se tornaram verdadeiras budokas. Mas, como é pouco falado do passado das mulheres nas artes marciais, temos a sensação que não houve participação feminina e precisamos escavar mais fundo para encontrar informações sobre. No mês do Dia Internacional da Mulher, nada mais natural que procurar nossas raízes e tentar entender quem são essas personalidades, seja no karatê ou em outras artes marciais. No primeiro post, você saberá mais sobre a história de guerreiras samurais (onna-bugeisha).

Tomoe Gozen

A foto é uma pintura japonesa antiga, em papel cor creme. A ilustração mostra uma Tomoe Gozen, a guerreira, com uma naginata (bastão com um facão na ponta) na mão, enfrentando um homem que está no chão e outro em um cavalo. É uma ilustração muito colorida, cheia de tons vermelhos, roxos e verdes. As roupas são quimonos e armaduras bem elaborados.
Tomoe Gozen por Yōshū Chikanobu
O Heike Monogatari é um relato épico do século XII que aborda a luta entre os clãs Taira e Minamoto pelo controle do Japão durante a guerra de Genpei, a qual marcou o final do período Heian (794 - 1185) e inaugurou a era dos samurais. Foi nesse cenário sangrento que surgiu Tomoe Gozen. Na história, ela é descrita como uma mulher muito bela, extremamente forte e corajosa que possuía habilidades com arco e flecha, naginatakatana e conseguia domar cavalos facilmente. Kiso Yoshinaka, do clã Minamoto, ficou tão impressionado com suas habilidades que a nomeou sua principal comandante das tropas (em japonês, ippo no taisho).
Segundo os relatos, alguns dos seus grandes feitos foram:

  • Na batalha de Yokotagawara, Tomoe derrotou e recolheu a cabeça de sete guerreiros;
  • Na batalha de Tonamiyama ela conduziu mais de mil guerreiros da cavalaria de Kiso Yoshinaka;
  • Na batalha de Uchide no Hama, levou 300 guerreiros da batalha em uma missão impossível para enfrentar 6.000 guerreiros do clã Taira. Tomoe conseguiu sobreviver junto a apenas 5 outros sobreviventes do clã de Minamoto.
Seus dias de guerra chegaram ao fim no ano  de 1184, na batalha de Awazu. O clã Minamoto havia conseguido virar o jogo contra o clã Taira e quando parecia que tudo estaria em paz, Kiso Yoshinaka quis lutar pelo direito de ser shogun. O problema é que havia outro concorrente: Minamoto Yoritomo. Tomoe Gozen estava do lado de Kiso (fontes alegam que os dois eram amantes) e pronta para uma nova batalha. Porém, durante o embate, as forças de Kiso diminuíram drasticamente e ele ordenou que Tomoe fugisse, ela recusou e continuou a lutar. Ela enfrentou cerca de 30 guerreiros dos Taira, escolhendo o oponente mais forte (no caso, Onda no Hachiro) e o decapitou. Apesar do seu triunfo, Kiso Yoshinaka acabou fatalmente ferido, deixando Minamoto Yoritomo como chefe do clã Minamoto e como shogun do país.

E afinal? O que aconteceu com Tomoe? Há várias histórias, mas nenhuma certeza. Alguns dizem que ela foi capturada pelo capanga de Minamoto Yoritomo, Wada Yoshimori, forçada a se tornar sua concubina, dando à luz ao lendário Asahina Saburo Yoshihide. Outros dizem que ela se tornou uma monja budista, outros que ela tentou se vingar da morte de Kiso, matando membros do clã Minamoto e, levou a cabeça de Kiso Yoshinaka junto com si e se afogou no mar. Essas histórias se misturam e a partir dela são montadas vários contos sobre a vida e morte de Tomoe, como é o caso do Heike Monogatari e outras histórias contada por tocadores de biwa (como os bardos da Idade Média europeia).
É um instrumento de cordas, tipo um violão, mas com a forma parecida com a de uma colher. A madeira é escura e possui desenhos dourados de pavões.
Biwa do século XIX
A palavra Gozen, na verdade não é o sobrenome de Tomoe e sim um título honorífico que era concedido na época. Tomoe era uma onna-bugeisha, uma mulher samurai.

Curiosidade: As cores do clã Taira era vermelho e o de Minamoto eram branco. Essa Guerra Civil marcou tanto o Japão que essas duas cores são as que definem o país, inclusive sua bandeira.

Sengoku Jidai

É a ilustração de uma mulher japonesa, com um coque tradicional, usando um quimono preto cheio de detalhes vermelhos e azuis. Ela está com uma naginata na mão, no chão tem uma caixa espalhada, atrás tem um quimono dobrado e caído. Ao fundo tem vários ideogramas japoneses.

No período de 1467 a 1568 acontece no Japão o período Sengoku Jidai (Período dos Estados Combatentes) era um tempo em que todas as classes sociais foram arrastadas para a guerra e os domínios feudais foram desgastados, com perdas de tropas. Um resultado desta guerra desenfreada foi que as mulheres eram muitas vezes a última defesa de cidades e castelos. Assim, há relatos de esposas de senhores da guerra, vestidas de armadura, liderando grupos de mulheres armadas com naginata. Em um relato no Bichi Hyoranki, por exemplo, a esposa de Mimura Kotoku, horrorizada com o suicídio em massa das mulheres e crianças sobreviventes no castelo cercado por seu marido, se armou e liderou oitenta e três soldados contra o inimigo.

Foi nessa época que a imagem das mulheres lutadoras com naginata provavelmente surgiu. No entanto, como escreveu Yazawa Isako, uma dirigente de sexta-geração do Todo-ha Buko-ryu (escola de naginata-do), em 1916, a principal arma da maioria das mulheres nestes horríveis tempos de guerra não era a naginata, mas a adaga. As mulheres de Bushi carregavam um kaiken com elas o tempo todo. Yazawa afirma que normalmente não se esperava que as mulheres a usassem para lutar, mas sim para se matar. O suicídio feminino em japonês, jigai foi tão costumeiro quanto o seppuku do guerreiro masculino (cortando o abdômen). No seppuku, um homem era obrigado a mostrar coragem em enfrentar uma dor inimaginável. No jigai, as mulheres tinham um método em que a morte era realizada com relativa rapidez e a ferida não era tão extrema quanto dos homens porque ofendia a dignidade da mulher após a morte. O punhal foi usado para cortar a veia jugular.

O kaiken tem uma lâmina curta bem lustrosa e seu cabo é de madeira. Abaixo dele tem a bainha também de madeira.
Kaiken, adaga japonesa
As mulheres não treinavam para usar o kaiken com sofisticadas técnicas de combate. Se uma mulher era obrigada a lutar, ela devia pegar o cabo com ambas as mãos, colocar o cabo firmemente contra seu estômago e correr para a frente para esfaquear o inimigo com todo seu peso atrás da lâmina. Ela devia tornar-se uma lança viva. Assim, as mulheres não usavam a lâmina para corajosamente desafiar seus inimigos, em vez disso, tiveram que encontrar alguma maneira de pegá-lo desprevenido.

Os homens sabiam disso, por isso uma mulher não podia esperar enfrentar um único inimigo ou ter a a surpresa como vantagem. Se ela fosse capturada viva, mesmo depois de matar vários inimigos, ela seria estuprada, exibida como uma prisioneira ou desonrada de outra forma. Nesses tempos sombrios, a única fuga possível era a morte feita por conta própria.

Nakano Takeko
 
Foto em preto e branco de Nakano Takeko. Ela está usando um penteado tradicional japonês, um coque, usa um quimono japonês bem volumoso. Do lado do seu braço esquerdo há uma katana guardada em sua bainha. Ela olha para o lado esquerdo com um olhar sério.

No meio do século XVII foi um momento de florescimento para as mulheres samurais. Com a vinda do shogunato Tokugawa, o foco era treinar combatentes habilidosos. As escolas para o treinamento com naginata abriram-se por todo o Império, e o número de mulheres treinadas nas artes marciais aumentou drasticamente.

Por um curto período, as mulheres se transformaram em protetoras de suas aldeias inteiras, guardando-as com suas vidas. As mulheres moviam-se frequentemente em pequenos grupos e lidavam com ameaças, livres da estrutura social dominada pelos homens dos anos anteriores. Eventualmente, no final do século XVIII, a guerra estourou entre o clã Tokugawa dominante e os membros da corte Imperial. Em resposta a isso, uma tropa feminina especial foi criada. A filha do oficial Aizu Nakano Heinai, Nakano Takeko, foi selecionada para liderar o grupo.

Nakano Takeko era altamente qualificada em ko-naginata (uma naginata menor do que a usada por homens, que era a o-naginata), extremamente inteligente e mestre em artes marciais. Ela foi escolhida como comandante das onna-bugeisha (mulheres samurai) e deveria juntá-las aos samurais do sexo masculino na Batalha de Aizu. Seu exército foi tratado como independente, devido em parte às restrições de gênero da época e foi nomeado de Joshitai, ou o Exército Feminino. Nakano Takeko morreu na batalha que se seguiu com um golpe no coração, mas não antes de ter usado sua ko-naginata para efeito mortal, matando um número de guerreiros samurais em combate corpo a corpo. Antes de morrer, seu último pedido foi a sua irmã Nakano Yuko para decapitá-la, pois ela não queria que fosse tomada como um troféu pelo inimigo. Sua cabeça foi enterrada nas raízes de um pinheiro no templo Aizu Bangemachi, onde um monumento foi erguido em sua honra. Essa batalha, que marcou o início do Período de Restauração Meiji, foi o fim do Shogunato e a última posição dos guerreiros samurais.

Como a participação das mulheres nas artes marciais é bem longa, continuaremos nos próximos posts! Para ler a segunda e última parte, clique aqui.

Referências: Tofugu - Tomoe Gozen
Japan Times - Women warriors of Japan 
What When How - Women in the Martial Arts: Japan 

Ao lado esquerdo tem uma foto de Danielly, com kimono branco. Ao lado esquerdo está escrito Danielly Stefanie tem 23 anos, publicitária, faixa roxa em karatê no estilo Shorin-ryu e faixa azul em Kobudo. Estudante de japonês e ama estudar sobre a cultura japonesa e okinawana.

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1 comentários

  1. Espero que este texto possa inspirar mais mulheres a prática do karatê....

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Citação

Está escrito com uma fonte tipo nanquim: Karatê é um estilo de vida. Essa frase é de Kenwa Mabumi

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