Mulheres nas artes marciais - Parte 2

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A foto mostra uma mulher até os ombros dela. Ela está de quimono branco e com uma faixa azul de competição. Ela está fazendo um kata, na posição shikodachi. Há várias pessoas atrás assistindo.
Créditos: Sean Dreilinger

"Seja gentil, amável e bonita, mas firme e forte, tanto mental quanto fisicamente"
Keiko Fukuda

Continuamos a segunda e última parte do post sobre a história das mulheres nas artes marciais. Veremos incríveis karatekas e mestras em naginata-do e judô enfrentando preconceitos, tornando-se fortes e conseguindo seu espaço nesse incrível caminho da arte marcial.  Se você quiser ler a primeira parte, clique aqui.

Tsuru Matsumura 

Uma das histórias que mais gosto é a de uma mulher, praticante de To-dê (o antigo karatê), a forte e lendária lutadora Tsuru Yonamine, a esposa de Sokon Matsumura (1809-1901, um dos precursores do estilo Shorin-ryu). Tsuru gostava muito de praticar o sumô okinawano com outros homens e frequentemente ganhava as lutas. Também gostava de trocas de socos e full-contact. O pai dela estava desesperado para casá-la e até prometia dotes para quem fosse desposá-la. O problema era que cortejar Tsuru significava estar procurando por uma boa briga. 

Ilustração em preto e branco de Sokon Matsumura, ela é bastante sombreada e ele parece estar com cara de bravo.
Ilustração de Sokon Matsumura. Infelizmente não há nenhuma de Tsuru.
Uma das histórias de Okinawa diz que Sokon Matsumura conheceu Tsuru em uma luta de rua em que ela era sua adversária. Ele não havia percebido que era uma mulher e ficou intrigado porque seus chutes na virilha não estavam causando nenhum efeito. Depois que descobriu que Tsuru era uma mulher, acabou se apaixonando e se casando com ela. Um dos alunos de Matsumura, Chotoku Kyan, uma vez viu Tsuru carregando um saco de arroz de 60 quilos com apenas uma mão enquanto varria a cozinha. 

Matsumura, certa vez, tinha algumas dúvidas em relação as habilidades da mulher, então um dia decidiu testá-la. Enviou-a em uma viagem sozinha à noite e se disfarçou de um ladrão para atacá-la na estrada. Tsuru nocauteou Matsumura com um uraken na têmpora, em seguida amarrou-o a uma árvore com o seu obi (faixa). Matsumura teve que passar uma noite desconfortável na estrada e teve que dar as devidas explicações no dia seguinte!

A esposa de Funakoshi

Não se sabe o nome dela, só que ela foi esposa de Gichin Funakoshi (precursor do estilo Shotokan de karatê). Mas em seu livro "Karatê-do: O Meu Modo de Vida", conta-se que sua esposa praticava kata quando estava cansada em vez de se deitar e sempre pedia para uma criança que massageasse seus ombros e braços. Naquela época, mulheres não deviam estudar o karatê, mas ela aprendeu apenas observando o marido enquanto treinava. Ela era conhecida por ser adepta a essa arte marcial e às vezes dava aulas no dojo quando Funakoshi se atrasava para a aula. Também foi por causa de Funakoshi que o karatê começou a aceitar mulheres praticantes. 

Murakami Hideo
 
Duas mulheres, sendo uma delas Murakami Hideo lutando com naginata e usando roupas tradicionais japonesas. A foto é em preto e branco.
Murakami Hideo do Toda-ha Buko-ryu com sua sucessora Kobayashi Seiko. Fonte: Koryu
Após a Guerra Russo-Japonesa de 1904 a 1905, as artes marciais tornaram-se parte regular do currículo escolar, no entanto, por serem tradicionais não foram consideradas adequadas para a formação da população de massa, pois incentivavam uma lealdade feudalista. Além disso, muitas vezes se concentravam em valores místicos e não se preocupavam diretamente com as supostas necessidades do Japão imperial.
Em 1911, o Judô e o Kendô, ambas criações da era Meiji, foram introduzidos em escolas de meninos. Já em 1913, houve uma aula de judô no Seijyo Girl's High School em Tóquio, mas a ideia de meninas lutando não se mostrou muito popular, pois em 1936 havia apenas algumas dezenas de judocas que eram faixa preta no Japão.
Durante o início da era Meiji, muitas pessoas perderam seus meios de subsistência e surgiu um fenômeno chamado Gekken Ko-gyo (show de espadas). Os samurais que sobraram uniram forças para criar espécie de circos em que faziam demonstrações, desafiando o público e usando espadas de madeira ou bambu, naginata, lança, kusarigama (kama, a foice, com uma corrente) ou qualquer outra arma que fosse selecionada pelo desafiante. Essas lutas tornaram-se bastante populares e havia também mulheres que usavam naginata para enfrentar homens armados com espadas de madeira ou bambu. 
Uma das mais notáveis dessas mulheres foi Murakami Hideo, que se tornou a sétima diretora do Toda-ha Buko-ryu. Nascida em Shikoku, em 1863, estudou o Shizuoka-ryu Naginata-jutsu quando menina. Após a morte de seu sensei, ela saiu de casa ainda adolescente para estudar outros estilos. Murakami chegou em Tóquio quando tinha vinte e poucos anos e se tornou estudante de Komatsuzaki Kotoko sensei e, possivelmente, de Yazawa Isako sensei, a primeira, professora da décima geração e a segunda da sétima geração do Toda-ha Buko-ryu. Por ser uma mulher forte, ganhou o
Menkyo Kaiden (classificação por capacidade). 

A foto a esquerda mostra uma corrente, no qual na ponta tem uma foice. A foto é de uma exposição de armas antigas japonesas. A foto da direita mostra uma naginata, é um bastão de madeira com espada na ponta.
Kusarigama à esquerda e Naginata à direita
Murakami, como não sabia ler e escrever, não tinha muitas chances de ganhar dinheiro, então se juntou ao Gekken Ko-gyo, lutando com o kusarigama ou a naginata para conseguir sobreviver. Há relatos de que ela nunca perdeu uma luta e posteriormente ela abriu um dojo na região de Kanda, em Tóquio, chamado Shusuikan (o dojo da água outonal), mas, mesmo assim, ela continuou bastante pobre. Quem a conheceu, conta que ela era uma mulher pequenina, gentil, mas bastante cautelosa, que viveu e morreu sozinha.

Keiko Fukuda

Foto de Keiko Fukuda, ela já idosa, sentada, vestindo quimono branco e usando sua faixa vermelha de décimo dan. Ela está sorrindo e parece muito simpática.

A Shihan Keiko Fukuda foi uma das mestres mais importantes para o judô. 10º dan, ela se dedicou por mais de 77 anos a essa arte, desde seus primeiros anos de prática na Kodokan nos anos 30, onde foi foi convidada por Jigoro Kano, fundador do judô e amigo do seu avô, Hachinosuke Fukuda ( um dos primeiros três mestre do Ju-jitsu e ensinou Jigoro Kano).

Nos Jogos Olímpicos de Tóquio de 1964, sensei Fukuda fez uma impressionante apresentação de kata, quando o judô tornou-se um esporte olímpico. Sua visão humanista aplicada no judô veio dos seus estudos de literatura japonesa na Universidade de Showa e também de artes tradicionais como o Sho-dô (a arte da caligrafia), Cha-dô (cerimônia do chá) e de Ikebana (arranjo de flores).

Quando ela se mudou para os Estados Unidos, em 1974 ela organizou o primeiro campo de treinamento de judô exclusivamente para mulheres. Este evento ganhou o tradicional nome Keiko Fukuda Joshi Judo Camp. Ela também foi quem iniciou o Keiko Fukada International Kata Championship, em 1998.

Ela desistiu do casamento e deixou sua terra natal para dedicar sua vida ao judô, lutando contra a discriminação de gênero, o qual a impedia de passar de faixa, enquanto homens menos qualificados do que ela eram promovidos.

Em 1990 ela ganhou e foi presenteada pelo governo japonês com a "Ordem do Tesouro Sagrado", em 1977, a PANWA honrou-a com o prêmio Lifetime Achievement e em 2011 ela foi promovida a 10º dan, a primeira mulher a ser honrada dessa forma e a última aluna sobrevivente de Jigoro Kano. Ela também escreveu dois livros: "Nascidas para o combate: kata para mulheres" (1973) e"Ju no Kata" (2004).

"Nós e o mundo do judô perderam uma senhora maravilhosa, forte, gentil e bela; Que viveu a sua vida pelo seu lema que guiou toda a sua vida "Seja forte, Seja gentil, Seja linda", palavras essenciais para viver não só no judô, mas na vida. Ela será uma perda para todos os seus alunos, amigos pessoais e o resto do mundo do judô".
Dr. Shelley Fernandez, PHD

Se quiser conhecer mais sobre ela, tem um documentário feito pelo Sport TV que você pode conferir abaixo.


Oshiro Nobuko

Foto da Sensei Oshiro Nobuko, em posição de luta, fazendo shuto. Ela usa quimono branco e está olhando para o lado direito com uma expressão séria. O fundo da foto é preto.
Sensei Oshiro Nobuko, foto por Travel67

E para finalizar esse post com tantas mulheres incríveis temos a sensei Oshiro Nobuko, 8º dan, a mulher com o mais alto dan no karatê em Okinawa. Foi aluna do sensei Yochuko Higa em 1975 e, em 1993, o sensei autoriza-a a abrir o primeiro dojo ministrado por uma mulher.
Atualmente ela tem mais de 400 alunos na cidade de Urasoe e seu dojo se chama Taishikan.

Jesse Emkamp, um karateka do estilo shito-ryu e blogueiro dos Estados Unidos, fez uma série de vídeos em Okinawa, um deles se passa no dojo da sensei Oshiro Nobuko. Você pode assistir abaixo, infelizmente, é em inglês, mas dá para acompanhar e ver como ela é incrível!


Termino esse post com uma imensa felicidade. Foi uma grande pesquisa e fico feliz de ter achado tantas mulheres que com força e dedicação inspiraram dezenas de outras gerações a seguirem seus passos. Se eu treino hoje é não só para aperfeiçoar minha técnica, mas para superar minhas próprias inseguranças e aumentar minha coragem. Dedico as mulheres não um feliz dia, mas muitos dias de luta para que consigam enfrentar qualquer obstáculo e mostrar seu valor para o mundo.

Referências: 

https://kmbryk.wordpress.com/2012/03/16/gichins-wifes-karate/
http://www.keikofukudajudofoundation.org/?page_id=5
https://travel67.com/2015/11/09/nobuko-oshiro-kyoshi-8th-dan-okinawa-karate-do-shorinryu-taishinkan-association/
http://okinawachikaradojo.blogspot.com.br/p/sensei-nobuko-oshiro.html

Ao lado esquerdo tem uma foto de Danielly, com kimono branco. Ao lado esquerdo está escrito Danielly Stefanie tem 23 anos, publicitária, faixa roxa em karatê no estilo Shorin-ryu e faixa azul em Kobudo. Estudante de japonês e ama estudar sobre a cultura japonesa e okinawana.

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Citação

Está escrito com uma fonte tipo nanquim: Karatê é um estilo de vida. Essa frase é de Kenwa Mabumi

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